A irresponsabilidade de Bolsonaro na questão da saúde não é de hoje. Desde propostas de esterilização de pobres, culpar a parcela mais pobre da população por escolher ter mais filhos para “engordar um programa social” até mesmo ser um dos autores da PL 4639/2016 que “autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna”.
Não se torna estranho, portanto, o último vídeo pedindo a liberação e indicando o aumento da produção da cloroquina, feito por Bolsonaro e sua “trupe”- composta por seus filhos e bajuladores – sem a presença de nenhum assessor. Não à toa, por irresponsabilidade, coloca-se na frente de meia dúzia de lunáticos aglomerados, em meio à possibilidade de contraírem e se tornarem disseminadores da doença COVID-19. Fazem exatamente o contrário do proposto por seu Ministro da Saúde, o médico ortopedista Luiz Mandetta.
Seria estranho correlacionarmos essa irresponsabilidade do Presidente com o fato de ser o único dos “iluminados” livre da atual pandemia, mesmo integrando presencialmente uma comitiva de 22 membros com testes positivados para o novo coronavírus? O deputado “bananinha”, como apresentado pelo então Vice-Presidente Mourão, deveria se perguntar quem foi mais irresponsável pela disseminação dessa doença pelo país, a China (como o mesmo acusa) ou a sua comitiva, que decidiu viajar em plena pandemia e trazer ao país 22 disseminadores.
Retornando à questão da fosfoetanolamina, o tal projeto com diversos apoiadores e incentivadores de todos os espectros políticos possíveis, tendo Jair Bolsonaro (PSL-RJ) até mesmo apoio dos petistas Adelmo Carneiro Leao (PT-MG) e Arlindo Chignalia Junior (PT-SP), coloca um questionamento sobre a atual situação da ciência no país:
“Por que colocamos debates tão sérios no âmbito da saúde no país deixando de lado os cientistas?”
Cientistas estes que foram exatamente os que receberam mais investimentos e auxílios durante os governos petistas de Lula e Dilma, sob um Ministério da Educação competente e sério como o feito por Haddad. Por que, num momento tão grave de nosso país, ainda levamos uma coisa tão séria como a saúde de pessoas e a pesquisa científica como somente uma pauta populista, quando pode afetar tanto a saúde de nossas populações?
Bolsonaro novamente comete um crime sério, além de ter cometido crime ao provocar a população a sair às ruas, a se aglomerar, tocando a mão de todos presentes no local. Agora estimula o uso de um medicamento (agora sim, ao menos um medicamento, já que a fosfoetanolamina não entrava nesse conceito) de que não sabemos ao certo a atividade em seres humanos com a COVID-19.
Antes de entrarmos num debate técnico sobre medicamentos, precisamos entender alguns conceitos que temos sobre medicamentos e drogas, segundo o site da ANVISA:
- “Droga é qualquer agente que possua ação no corpo, sendo benéfica ou maléfica, mas que não é conhecido seu funcionamento”.
- “Medicamento é um produto que possui ação no corpo conhecida e com funcionamento também conhecido, ou seja, seu mecanismo de ação”.
Devido a este fator, podemos analisar que a fosfoetanolamina não pode ser classificada como medicamento, já que não se sabia seu funcionamento. Muito pelo contrário, alguns estudos científicos já associaram aumento do câncer de mama em ratos e até mesmo a alta quantidade de impureza na produção da fosfoetanolamina sintética, fazendo com que se torne quase impossível o seu uso para testes clínicos e dificultando a sua classificação como medicamento. Contudo, isto não barrou o apoio a tal lei.
Interior da Lei:
- Art. 1º Esta lei autoriza o uso da substância fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
- Art. 2º Poderão fazer uso da fosfoetanolamina sintética, por livre escolha, pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, desde que observados os seguintes condicionantes:
I – laudo médico que comprove o diagnóstico;
II – assinatura de termo de consentimento e responsabilidade pelo paciente ou seu representante legal.
Parágrafo único. A opção pelo uso voluntário da fosfoetanolamina sintética não exclui o direito de acesso a outras modalidades terapêuticas.
Não obstante, o debate atual da cloroquina e da hidroxicloroquina retoma essa discussão populista e irresponsável, já que nos próprios artigos acima, da lei sobre a fosfoetanolamina, apresenta-se a questão de “consentimento e responsabilidade”: qual o medo do uso de um medicamento? A fala irresponsável de Bolsonaro criou mais caos, não solução. A população está levando o medicamento em peso das prateleiras, dificultando o acesso das pessoas com lúpus, que precisam, enquanto os que têm tido acesso ao medicamento não possuem uma informação sobre o uso do mesmo. Qual o sentido, portanto, da fala do atual Presidente?
Além disso, por que a proposta de investimento na produção de um medicamento que ainda não tem uma resposta concreta favorável na ação contra a COVID-19, ao invés de investir para feitura de mais testes para detecção, a fim de conseguir que se tenha mais controle de onde estão os pacientes assintomáticos e, assim, controlar a transmissão da doença?
A resposta é: porque Bolsonaro deseja criar uma retórica de que a solução está na mão de todos e só depende de investimento federal. Mas há outra pergunta: por que agora o investimento federal, quando esta semana diversos pesquisadores de pós-graduação stricto sensu perderam suas bolsas de forma unilateral, por decisão do Governo Federal. O governo atual desdenha da pesquisa científica pela voz do guru da família, Olavo de Carvalho.
A realidade atual é que até o Ministro da Saúde está perdido, fazendo um debate ridículo e deprimente e afirmando que a população está querendo saber do teste feito por Bolsonaro por “vontade mórbida”. O atual sistema de saúde está prestes a entrar em colapso, já por volta de abril, e a proposta de investimento nos planos de saúde é maior que para os hospitais públicos, recebendo apoio do PIG na decisão de pedir voluntários para o trabalho em hospitais, ao custo de um governo que propõe a retirada de direitos de trabalhadores durante esse momento tão preocupante.
A realidade deste debate é sempre o mesmo: a negação da ciência, além de colocar a população novamente num caminho perigoso, sob a mira de um medicamento que não saiu nem da fase 1 (dentre as 5 fases clínicas de pesquisa de medicamentos) enquanto estamos a passos rápidos para uma situação próxima ao que a Itália fez. Sabemos onde o país chegou. Continuaremos nesse caminho?